De outubro de 2019 ao início de 2022, o Chile testemunhou um período de intensa agitação civil conhecido como Estallido Social (“Explosão Social”). Estimulados por um modesto aumento das tarifas do Metro de Santiago, estes protestos evoluíram para um movimento nacional contra a desigualdade social enraizada, o aumento dos custos de vida e a privatização de serviços públicos essenciais. O movimento culminou num processo de reescrita da constituição da era da ditadura do país, marcando um dos períodos mais transformadores da história moderna do Chile.
Origens e escalada
Os protestos começaram em 7 de outubro de 2019, com uma campanha de evasão de tarifas liderada por estudantes do ensino médio. Em meados de Outubro, as manifestações aumentaram à medida que os cidadãos vandalizavam e incendiavam estações de metro, desactivando o crítico sistema de transportes de Santiago. Em 18 de outubro, o governo declarou estado de emergência e impôs toque de recolher, mobilizando forças militares para as ruas pela primeira vez desde a ditadura de Augusto Pinochet.
O presidente Sebastián Piñera referiu-se inicialmente à agitação como uma “guerra contra um inimigo poderoso”, uma declaração amplamente criticada pelo seu tom inflamatório. Os protestos espalharam-se por cidades como Valparaíso, Concepción e Antofagasta, muitas vezes acompanhados de tumultos, saques e destruição de infra-estruturas públicas. No final de Outubro, mais de um milhão de pessoas marcharam em Santiago, exigindo reformas sistémicas e a demissão de Piñera.
Demandas Sociais e Resposta Governamental
Os protestos trouxeram à tona queixas de longa data. Apesar de décadas de crescimento económico, o Chile continuou a ser um dos países mais desiguais da América Latina, com disparidades acentuadas em termos de riqueza, acesso à educação, cuidados de saúde e pensões. Os manifestantes exigiram:
- Melhores salários e pensões
- Saúde e educação acessíveis
- Reversões nas políticas de privatização
- Renúncia do presidente Piñera
- Uma nova constituição
Em 22 de outubro de 2019, Piñera pediu desculpas por não ter atendido às demandas públicas e anunciou uma “Nova Agenda Social”, incluindo aumentos nas pensões, redução das tarifas de eletricidade e impostos mais elevados sobre os ricos. No entanto, estas concessões foram criticadas como inadequadas.
Os protestos continuaram, com grandes manifestações, incluindo a “Maior Marcha da História do Chile” em 25 de outubro, quando 1,2 milhão de pessoas se reuniram somente em Santiago.
O Acordo para a Paz e uma Nova Constituição
Em Novembro de 2019, o Congresso chileno chegou a um acordo histórico para realizar um plebiscito nacional sobre a elaboração de uma nova constituição. Esta medida foi vista como uma resposta crítica aos protestos, com o objectivo de abordar a desigualdade profundamente enraizada consagrada na Constituição de 1980 criada durante o regime de Pinochet.
Em 25 de outubro de 2020, 78% dos eleitores aprovaram a elaboração de uma nova constituição. As eleições de Maio de 2021 seleccionaram uma Convenção Constitucional diversificada, com representantes indígenas, activistas e candidatos independentes desempenhando um papel significativo.
Violência, violações dos direitos humanos e custos públicos
Os protestos foram marcados por violência significativa e alegações de violações dos direitos humanos. Organizações como a Amnistia Internacional e a Human Rights Watch acusaram as forças de segurança chilenas de uso de força excessiva, tortura, violência sexual e detenções arbitrárias. Símbolos de protesto, como olhos vendados, realçaram a brutalidade das respostas do Estado.
O impacto económico também foi grave. Os danos às infra-estruturas públicas e privadas, incluindo o Metro de Santiago, foram estimados em 3,5 mil milhões de dólares, com 300.000 empregos perdidos.
Pandemia e declínio do impulso
A pandemia da COVID-19 reprimiu significativamente os protestos, uma vez que os confinamentos e as medidas de distanciamento social limitaram as grandes reuniões. No entanto, manifestações esporádicas continuaram em áreas-chave como a Plaza Baquedano, onde os activistas exigiram a libertação dos chamados “Prisioneiros da Revolta”. A aparente má gestão destes protestos por parte do governo alimentou ainda mais as tensões.
Plebiscito Constitucional e Nova Liderança Política
Gabriel Boric, um antigo activista estudantil, venceu as eleições presidenciais de 2021 numa plataforma alinhada com as exigências do movimento de protesto. Ele derrotou o candidato de extrema direita José Antonio Kast com 56% dos votos, tornando-se o presidente mais jovem do Chile.
Sob a administração de Boric, uma nova constituição foi redigida e submetida a referendo em 4 de setembro de 2022. No entanto, a constituição proposta, que incluía disposições progressistas sobre direitos indígenas, igualdade de género e proteção ambiental, foi rejeitada por 62% dos eleitores, refletindo falta de consenso sobre o seu conteúdo.
Legado da Explosão Social
Os protestos de 2019-2022 deixaram uma marca indelével na sociedade chilena. Forçaram a nação a enfrentar a desigualdade sistémica e abriram debates sobre o papel do neoliberalismo no seu modelo económico. Embora o processo constitucional continue por resolver, o movimento demonstrou o poder do activismo popular na reformulação das prioridades políticas.
O Estallido Social revelou tanto a resiliência da democracia chilena como as profundas fracturas no seu tecido social, preparando o terreno para esforços contínuos para construir uma sociedade mais inclusiva e equitativa.